Supersubfaturado

Saturday, October 29, 2005

Vamos falar de revolução

De repente me sinto como o Mike Edwards quando viu que o mundo mudava, após assistir uma mulher falar sobre revolução na TV na virada da década de 90. É a mesma sensação, mas não bastou um teledebate dizer sim ou não; bastou um homem ser julgado como caricato após defender o que hoje é indefensável.
A caricatura é a melhor das respostas para o velho, o retrógrado. Dessa maneira, é ótimo estar nos anos 00 e cantar o que Mike cantava há 15 anos _que não havia lugar melhor para estar. A repulsa que esse homem provocou ao dizer que mulheres têm lugar na cozinha e homens, no comando, é o sinal dos tempos.
E isso em um curso de inglês, onde a maioria, ao meio-dia, é de donas-de-casa que, sem nada para fazer, freqüentam as aulas para aprender uma língua e falar nas viagens de fim de ano.
Condená-lo (ou caricaturizá-lo) é o primeiro passo para resolver as distorções que a história dos costumes no mundo ainda nos impõem.

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Saturday, October 22, 2005

B depois de M

Onde é que as moças escondem seus bichinhos? Se é que estão por toda parte, em seus quartos cheios de ácaro, por que só algumas deixam que eles sejam notados?
Essa estratégia, a de esconder a ternura sob a escuridão dos baixos da cama, mais confunde que ensina algo. São as que adotam esquemas recuados, por medo de perder não o amor mas o jogo.
Depois de enfrentar uma durona, mais preocupada em adaptar os outros a seus gostos, encaro alguém doce, pronta para abraçar seus bichos quando eu não estiver lá. E seus parceiros _tigres, leões, o ratinho da porta, o coelhinho rosa que ocupava meu lugar antes de eu estar lá_ sempre estão lá, espalhados na cama e no chão, em cima do guarda-roupa, sob a pia, do lado do chuveiro.
Bichos dizem mais sobre as mulheres do que uma frase bem costurada e pensada sobre cinema. Como talvez o amor pelo futebol explique mais o que é o homem do que um comentário "cool" das viagens que nunca fez ou só curtiu pela metade. Bichos e bolas, nesse caso, são a essência.
E olhar seus bichos de pelúcia me faz já pensar na saudade que terei de beijar seu rosto e olhar o branco dos olhos, enquanto o verde flutuar para cima e para baixo enquanto ela falar. Gostar, gostar, mesmo, significa ter saudade antes de dizer "tchau". E lembrar daqueles bichos dá mais vontade de querer encontrá-la e beijá-la. Eles são quase uma prova de que a ternura existe.

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Tuesday, October 04, 2005

Almoço para os canibais

Pedroso Neto é prefeito de Cotia, pelo menos enquanto escrevo este texto. Faz parte da trupe conservadora que hoje comanda o PSDB, escaldada na substituição dos antigos quadros _aqueles egressos do velho MDB_ por aqueles que acham que estão na UDN e que ainda combatem o Vargas, hoje renomeado PT.
Pedroso Neto é o típico político dos anos 50, personalista e chauvinista. Quase preso no sábado, foi acusado de corrupção _ele e uns secretários e o filho. Seu partido tratou de afastá-lo.
No sábado, quando na polícia, disse que aquilo era "estratégia para abafar os escândalos de Brasília". Afastado dos quadros, nada mais disse _estava o PSDB com medo da repercussão?
A história de Pedroso Neto é a metáfora acabada oposicionista: enquanto pedra, tratam de quebrar a vidraça; enquanto vidraça, a trocam sob o menor risco. Assim é no PSDB, assim é no PFL.
Como Pedroso Neto, quadros garbosos dos dois partidos se envolveram em escândalos. Do PFL, os casos são inúmeros, mas peguemos o painho ACM, fraudador dos placares do Congresso. Ele continuou forte e, hoje, apadrinha o neto rumo ao topo. Agora o bispo da Universal pego com milhões em pasta foi expulso. Já os tucanos tem em Eduardo Azeredo uma das espinhas dorsais do atual escândalo Valério. Não foi afastado; Pedroso Neto, sim.
Pedroso Neto tentou se salvar adaptando ao partido o discurso da moralidade _mas, acusado de imoral, foi afastado. Esqueceu que o seu partido adaptou a lógica austera janista ou udenista ao estatuto e que deslizes de cleros menores serão castigados como ele foi. O prefeito de Cotia é o que na crônica política chama-se de "boi de piranha" _para preservar a moral, melhor lançar-lhe aos canibais de uma vez.

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É pecado pensar em reeleição?

Lula vai à favela e avisa que os favelados deveriam se espelhar nele. Ao empresariado, diz uma ou outra coisa que dá a entender que disputará a reeleição. Tirando um ou outro tom meio como aberração _como proclamar que não há no Brasil moço mais ético que ele_, faz o que todo político carismático faria.
Ora, é óbvio que está em campanha. Mas nos jornais há um certo denuncismo em anunciar isso. Que mal há em disputar a reeleição, já que regras para isso existem no Brasil desde 1997?
Aliás, a aberração de disputar um segundo mandato remonta a essa data. Só lembrar que a regra não existia até FHC paralisar o país para votá-la. E contabilizaram-se dois anos de desgoverno.
Esta não é uma defesa do atual chefe da nação, mas sim a do direito que ele tem de estar em campanha. Não há aberração, a regra é válida. Tudo bem, contam-se os escândalos, mas daí a ignorar a regra deixada pelo FFHH, como quer a imprensa, é querer demais levar tapinha de "tudo bem, eu aceito": por que a reeleição valeria só para o príncipe?

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Monday, October 03, 2005

A metáfora do burro

Gatos que nasceram pobres, palhaços que não são palhaços mas são, trupe de saltimbancos pelas ruas do Rio _não são as que cercam a praia, mas a avenida Brasil _triste, longa e suja_ também.
Tudo isso e o Didi, em um papel belíssimo. Lá estava ele como em Donga, o Vagabundo, o tratado obra-prima de 1969. "Os Saltimbancos Trapalhões" entorta a minha língua e o desdém (primeiro por ser um musical; segundo por ser um musical do Chico) em pouco mais de 90 minutos.
Tudo é fino. O Didi como o tímido que ama platônicamente. O Dedé perfeito no papel de escada. Zacharias e Mussum, coadjuvantes, dão a graça pastelão deixada de lado pelo Didi dramático.
E a Lucinha Lins, que, linda, é a filha do pilantra dono de circo que acredita na trupe de palhaços. Olha aí, uma mulher daquelas que acreditam, as mulheres mais perfeitas são essas assim. Bom.
Tá, desconsidere os tropeços como o de filmar cenas sem nexo em Hollywood (a edição em DVD nas bancas tem o Renato Aragão dizendo que aquilo foi para reforçar o caráter superprodução da obra. Ok, mas não precisava). E arranhões como o desenrolar da trama do meio até o quase final, muito parecido com o de outras superproduções trapalheônicas.
Mas nada encobre o pulo do Didi quando cruza o olhar com o de Lucinha Lins pela primeira vez. Ele se atira nos degraus do picadeiro e sobe atrapalhado tentando se esconder dessa confissão. E do medo que o faz subir em um dos pilares, mudo, como um palhaço que faz chorar.
E faz, no final, quando Lucinha destrói seus sonhos ao chamá-lo para apadrinhar seu casamento. As lágrimas do burro são nossas, dos homens, talvez nossa mais perfeita metáfora.

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