Supersubfaturado

Tuesday, May 31, 2005

Tudo legaaaaaaaaaal

Há uma linha torta que rege o mundo. Quer dizer, várias linhas tortas. Entre elas esta a resposta. Que resposta? Nem sei, mas há uma série delas. Um disco, por exemplo. Em "A Todo Vapor", de 1971, há um encontro de linhas tortas cheias de resposta. A de Gal Costa, a de Lanny Gordin, a de Wally Salomão (ou Waly Sailormoon, como por vezes ele variava) e a de Jards Macalé. E Mal Secreto, a convergencia de todas essas linhas tortas.
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Fala Waly:
"Não choro. Meu segredo é que sou um rapaz esforçado. Fico parado, calado, quieto. Não corro, não choro, não converso. Massacro meu medo, mascaro minha dor. Já sei sofrer. Não preciso de gente que me oriente. Se você me pergunta: "Como vai?". Respondo sempre igual: "Tudo legal!". Mas quando você vai embora morro meu rosto no espelho. Minha alma chora. Vejo o Rio de Janeiro".
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E daí vem Gal e a questão de que os bons cantores tornam uma letra parte de si. Não existe Gal melhor do que esta de 1971. Os gritos em "Vapor Barato". "Sua Estupidez", que poderia ser todos menos dela, mas aqui é mais dela que de Roberto e Erasmo. E introduzir drama na curta introdução da festeira "Charles Anjo 45" e saltar para outro drama, aquele de "quando voce me ouvir cantar...". Enfim, responde sempre igual...
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Jards é outro história. É pirado como um de nós. Os arranjos em A Todo Vapor são todos dele, se não me falha a memória. Mas é essa lógica do surto jardsiano, como o de romper com Caetano por seu nome não aparecer nos créditos de Transa, de pirar com a mulher, de pirar com o mundo, de pirar com a imprensa.
Na capa de Contrastes, de 1976, aparece um beijo de Jards em sua então mulher. Quase trinta anos depois, ela aparece queimada pela metade (a metade feminina da foto) na reedição em CD. As duas capas são lindas. Mas a última, que mescla a beleza da foto com o rancor da separação, é ainda mais. "Massacro meu medo", pensei. Porque queimá-la à metade é massacrar o medo sem mascará-lo. "Como vai? Tudo legaaaaaaaaaaaaaaal."
Tem uma frase na capa que espicha o rancor: "fazer album de fotografias para depois queimar". Genio.
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E Lanny, que é o cérebro dessa cortina de som. A trinca "Vapor Barato", "De um role" (dos Novos Baianos) e "Mal Secreto" jamais existiria sem ele. Lanny pirou um tantinho, anda pelos mesmos bares que alguns de nós e volta e meia faz temporada em Higienópolis. Lanny está em todos os bons discos dos 60 para os 70.
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Enfim, só há um A Todo Vapor. Ouvi-lo é pensar que não existe na história disco melhor de música brasileira.

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Monday, May 09, 2005

Deixe o Jarvis falar

Jarvis Cocker não é Jesus, embora tenha as mesmas iniciais. Ele é o cara, como diria o baixinho. Sabe dos milagres que nunca fará, mas talvez nem se lembre que, aos 20 e poucos anos, ainda era um garoto tentando impressionar as moças. Pedindo milagres, como a gente quer.
“Eu até pensei que não tenho milagres para lhe mostrar. E até gostaria de transformar a água em vinho, mas é impossível. Apenas tenho que secar a louça”, diz, desfazendo a pretensão. Sabe, nem na louça toco, o café não faço, eu só apanho o saquinho de mate verde e acrescento ao copo para que a água tome algum gosto. Mas não gosto, falta açúcar.
Os milagres de Jarvis são tão pequenos como ver a água tomar cor ao ser misturada com o sachê. Mover os pés é um milagre. Uma decisão também. Diante da falta de poderes, pede para ler um livro se o sono faltar. E acende um fósforo para que você não se perca na escuridão.
- Sou apenas um homem que faz o que pode para lhe ajudar.
E prega que não está mais preocupado em tocar as estrelas – “elas são do céu, nós estamos na Terra agora” –, quer o simples, a boa palavra, como um novelo desenrolado fio por fio, sem tentar desenrolá-lo antes do tempo certo. “Não está feliz por estar vivo agora? Qualquer coisa é possível”, diz sem se importar se a vida é ingrata ou não. “Não há cruz para carregar nesta noite. Pelo menos nesta noite.” Pois é, pelo menos. Mas há algumas louças, a sujeira amontoada e outros milagres para inventar antes que o sol nasça e eu pegue o primeiro trem da terça. Ainda bem que existe o Jarvis para explicar que milagres não existem.

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