Supersubfaturado

Sunday, March 27, 2005

Uma droga nova, please

As drogas alteram transitoriamente a personalidade. A definição não é minha, mas do Aurélio – trata-se de fuga costumeira de jornalistas procurar o dicionário para transformar um verbete em lide, quando não se tem idéia melhor para fazê-lo. Mas o objetivo de citar a(s) droga(s) como o primeiro substantivo deste texto é trazê-la para outro universo, o da criatividade, justamente essa idéia de alterar transitoriamente a personalidade, porque é esse o lance do ser "criativo". E está faltando isso, drogas e criatividade, para a música eletrônica. A Mixmag, a única revista endereçada aos clubbers e não aos DJs que sobreviveu, traz uma duvidosa capa com o herói Bez – o erro não é o personagem, mas a pauta: o ex-dançarino e tocador de maracas do Happy Mondays só está lá porque venceu o Big Brother britânico das celebridades. Por que o Bez? Porque não há novidade. Os outros destaques da mesma edição são o Daft Punk, o New Order, o Carl Cox e o Basement Jaxx – o mais novo, cujo álbum de estréia saiu em 1999. Cobrar novidades da cena eletrônica é um absurdo, porque ela deveria se movimentar por isso. Antes de mudar para Londres, em 2001, pensava na cidade como uma banda na garagem a cada esquina, mas fui surpreendido ao encontrar uma pick-up em cada quarto em alto de sobrado. A noite também me surpreendia, com a vibração que faltava naquelas bêbadas matinês roqueiras. Quatro anos depois, já em Itaquera, noto os dois grandes festivais do gênero, o Homelands e o Creamfields, esvaziados. O roteiro que cobre a noite na Inglaterra é frio, com quase os mesmos clubes e lugares que naquele tempo, sem nada de novo, nenhuma empolgação. Não é à toa que a escalação do Skol Beats é a mais desempolgante da história. Com exceção do Mylo, a grande novidade do ano não só no festival como na própria música eletrônica, o resto é o que sempre se vê por aqui, sem desmerecer gente boa mesmo como o Seb Fontaine, o Erick Morillo, o Pete Tong e o Chris Liebing. O que enrosca é que não dá gosto desembolsar 50 paus (quanto é o ingresso mesmo?) para ver esse povo que tem tocado muito por aqui. Dá saudade lembrar de outros anos, como o Groove Armada e o próprio Morillo, em um sensacional set em 2002, do Green Velvet há dois, de Basement Jaxx e Fischerspooner na ainda boa escalação do ano passado, embora borrada pela desorganização e uma desastrosa fila de duas horas para entrar no péssimo Sambódromo – com o sol nascendo naquele abril de 2002, no meio do set do Mau Mau, é difícil imaginar um lugar melhor em São Paulo do que o Autódromo de Interlagos. O problema como já disse, mesmo que não explicitamente, não é da organização, mas dessa atual fase da música eletrônica. O festival até buscou uma novidade e trouxe o Mylo. De resto, a terra é a mesma arrasada pelo electro há três anos. As revistas do gênero somem e viram ou algo bem especializado (DJ World e Jockey Slut) ou transitam perigosamente no terreno dos famosos. E (perdão Zoyd, li o seu texto, mas essa conclusão é anterior ao que você escreveu) medalhões como Fatboy Slim, Moby, Prodigy e Chemical Brothers moldam discos sem criatividade e cheios de referência para repetirem seus velhos sucessos em estádios mornos, como aconteceu no ano passado com o duo britânico que entrou na história incendiando o Heavenly Social em Londres. Tudo isso não tem nada a ver com o início da cena, o verão do amor de 1988 quando o ecstasy chegou às massas, quando ninguém entendia como um clube fecha as portas e a festa continua nas ruas, numa quinta-feira de fechar o trânsito. Era uma galera aditivida que transmitia aos músicos a empolgação para que nos estúdios isso se transformasse no som das pistas, a química de gravar sons num estado sóbrio mas que leve sensações para a massa entorpecida dançar – cito um músico do The Shamem que disse que era impossível gravar sob o efeito do ecstasy, pois o máximo que conseguiria seria abraçar os técnicos e repetir o tempo inteiro que os amava. A história da música é toda feita disso, desde o jazz (e a heroína e a cocaína), o flower power (e a maconha), o heavy metal e o punk (e o speed) e por fim o ecstasy (a música eletrônica, ora). Desde 98 e a superpotente pastilha com o símbolo da Mitsubishi (na época, foi dito que a pílula salvou a nação clubber) nada mais acontece, e a música, eletrônica ou não, definha. E o Hunther Thompson morreu. Alguma droga nova tem que aparecer para vir nos salvar desse calvário.

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