Supersubfaturado

Tuesday, March 15, 2005

Vinte anos esta tarde

Fiquei surpreso ao acordar no dia 15 de março de 1985 e saber, pelo Bom Dia São Paulo, que o homem que tomaria posse àquela tarde não tomaria posse. Quem receberia as faixas do Figueiredo (quer dizer, não receberia _o último dos generais não quis) seria o ex-presidente da Arena, um homem que até pouco tempo antes nem filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro era. Não encasquetei muito com essa hipótese. Para mim, o que valia era que o homem que derrubou o Maluf dois meses antes não iria assumir. Fiquei confuso, aquilo parecia enredo de novela: como? o cara vai passar mal logo na véspera da posse? Lembro do meu tio dizendo que o Maluf colocou veneno na hóstia que o Tancredo recebeu na missa (eu adoro essas viagens da povo em geral). E aqueles dias foram estranhos _teríamos um presidente ou não?
Daí foram-se 36 dias, foi-se o Neves. Meu irmão chegou em festa em casa ("Quer dizer que amanhã não tenho que ir trabalhar?"), eu fiquei olhando a segunda-feira inteira para o céu imaginando o avião com o corpo do Tancredo passar. Passou? Não passou.
Volta para 2005, um ano em que entendo melhor o mundo. E o se o Tancredo assumisse? E se o Sarney convocasse Diretas? E se o Brizola vencesse? E se o Ulysses expulsasse sua ambição?
Enfim, acho que o Sarney foi a melhor solução, sim. Porque ele era o conservador querendo provar que era possível confiar nele. Deu ao Brasil a liberdade que faltara nos 21 anos anteriores àquele 1985. Proporcionou uma Constituinte livre como nunca se vira e segurou as pontas para a eleição esquizofrênica de 1989, que culminou com um segundo turno entre capital (a máquina televisiva-corporativa de Collor) e trabalho (o metalúrgico Lula).
Deixou o país em uma hiperinflação depois de nos emprestar um pouquinho de sonho com aquela história do Cruzado _comprava as tabelas da Sunab encartadas no jornal para cobrar do homem da mercearia preços razoáveis.
Eis as qualidades de sua gestão: restabeleceu a democracia, em uma transição sem atropelos e com maturidade para encarar um impeachment dois anos depois; a cultura de pesquisa de preços, não por acaso base de sustentação do Plano Real; outra cultura, a antigolpista, que barrou interesses e sustentou o vice legal.
Resumindo: em 20 anos, a gente é muito mais um país de verdade. E deve um pouco disso ao Sarney.

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